29.11.10

COM O CINTO NA MÃO

Eles não podiam absorver a forte vento que vinha de um enorme ventilador que ficava na entrada do temeroso lugar. Essa era apenas uma, das milhares de regras estranhas que ditavam o comportamento daquela  sociedade. Mas a curiosidade foi maior e em minutos se podia ver aqueles dois franzinos corpos indo lugar a dentro.

O ambiente era úmido, escuro e todo o resto combinava com a pintura marrom-avermelhada das paredes das minúsculas casas, aparentemente sem telhado. Cada uma delas era separada por cortinas e as moscas dividiam cada centímetro com os cães. Não parecia haver morador, mas vez ou outra dava pra ver vultos de seres os mais estranhos que se possa imaginar. Não que fossem extremamente diferentes da normalidade, mas eram estranhos.

Pouco a pouco os dois iam descobrindo os hábitos dos moradores do local. Primeiro foi a constatação que comiam alumínio, depois concluíram que as crianças fumavam normalmente, dava pra ver os tocos de cigarros espalhados por todo lado, principalmente à beira das camas e berços. E quando já não suportavam mais as sucessivas estranhas descobertas, decidiram que aquela era a hora de saírem. De repente apareceu-lhes uma moradora. A vermelhidão do local se refletia em cada palmo de seu curvado corpo. Tinha uma aparência fria, era vesga, tinha um só dente, e quase não tinha cabelo; e o restinho que insistia em permanecer ali era forçadamente amarrado, o que não evitava a rebeldia de outros tantos. O vestido sem costura que usava parecia ter sido banhado de sangue e escanchada em sua cintura trazia uma criança, segura apenas por um dos braços. A pergunta foi fria e seca:

- O que vocês faz aqui? Deve tá falano mal de nosso lugar, né?

   De pronto, o mais corajoso respondeu:

- Não. Muito pelo contrário, estamos admirados com a forma heroica que vocês conseguiram se desligar da violenta civilização.

Mal as palavras saíram da boca, empreenderam retirada da forma mais veloz que já se tem noticia.
Na saída, todos esperavam ansiosos por noticias. E lá no final da multidão os dois avistaram o seu Nonato e a dona Vilma, cada um com um cinto na mão.

E foi aí que eu acordei.

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