12.5.10

VIDA II

Quando completei 14 anos, meu pai me perguntou se eu queria “estudar fora”. Topei na hora. Imaginei uma vida de independência, sem dá satisfações a ninguém, sem as regras que muito me prendiam. E lá me foi, eu e o Preto rumo ao desconhecido, ao novo; um internato no meio da selva Amazônica. Um lugar onde todo tipo de gente fazia parte de um mesmo sistema rígido e ao mesmo tempo desafiador, para onde muitos pais enviavam seus filhos rebeldes na esperança de “tomarem jeito por lá”. O que não era nosso caso.

De cara eu levei uma surra de toalha de uns 7 caras; o motivo foi a divisão de classe típica do lugar. O sistema funcionava da seguinte forma:

Toda a estrutura era formada por três prédios principais. Um dormitório feminino, outro masculino e um refeitório, além do setor onde funcionavam as salas de aula e a administração de toda a escola. Pois bem, os quase 500 alunos eram divididos em cinco classes: Bolsista – pagavam uma taxa simbólica por ano, trabalhavam quatro horas diárias e oito nos domingos, feriados e nas férias e só tinha direito a 15 de férias no final do ano; Bolsista especial – a única diferença deste para o bolsista era que a taxa era paga por mês, e tinha o direito ás férias de fim-de-ano; Semi-bolsista – pagava mensalmente uns R$100 a mais que o Bolsista especial, cumpria a mesma carga horária de trabalho, mas tinha direto as férias de meio e fim-de-ano; semi-semi bolsista – pagava mensalmente uns R$100 a mais que o semi bolsista e tinha uma jornada de trabalho de três horas por dia, tinha os domingos e feriados livres e gozava de todas as férias. Por último tinha o Regular, que pagava uma taxa mensal de não sei quanto e não trabalhava nada.

Então. Eu fui como Semi-bolsista, aliás, fui o primeiro semi a chegar no colégio no ano de 2000. De cara eu peguei o serviço que diziam ser o melhor de todos; Monitor de limpeza. Eu era o responsável por toda a limpeza do prédio masculino. Lavava os banheiros (imagine a situação surreal do local onde um bando de machos vindo de vários lugares do pais, de diferentes culturas deixavam toda sujeira), lavava os corredores, limpava o gramado e colhia todo o lixo.

[Interessante, mas quando comecei a escrever este post a intenção não era contar da surra, mas depois eu continuo com o ex-assunto. Então vamos a surra.] Todo empolgado e inocente, eu fiquei encantado com a maneira como os bolsistas tratavam um a outro na hora de irem trabalhar; “vão trabalhar escravos”, gritavam entre eles. Já me sentindo todo enturmado, um dia resolvi entrar na brincadeira. Uns sete marmanjos iam em direção ao banheiro quando gritei “vão trabalhar escravos”. De repente todos pararam ao mesmo tempo, se viraram. Na hora eu percebi que tinha feito merda. Mas do jeito que eu tava (como um rodo na mão no meio do corredor) assim fiquei. Os caras vieram em minha direção e me deram um samba (surra de tapas na cabeça) seguido de muitas toalhadas. Não me lembro se chorei ou não, mas me lembro que o rodo não serviu pra nada, apenas para continuar levando e trazendo um pano de cara pro chão.

Foi então que me dei conta da divisão de classe que tinha que ser respeitada por quem quisesse “se dá bem” durante ao menos os primeiros dias de cada ano. Depois as coisas ficavam amistosas, com raras exceções.

Continua... ou não.

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